O Raphael nasceu fruto de uma vontade imensa de ser mãe. Mesmo sem ter muitas condições e ser recém casada eu queria desesperadamente engravidar.
Casei em junho de 2011, em Julho estava grávida, com oito semanas de gestação perdi meu bebe e isso me deixou arrasada. Não trabalhava na época e entrei em depressão .Resolvi que voltaria a trabalhar porque precisava ocupar a minha mente, as pessoas não entendiam o motivo de toda aquela tristeza, já que a gravidez estava no comecinho, mas pra mim me faltava um pedaço .
Desde o começo tive problemas, tive vários sangramentos, tomava Ultragestan e progesterona, vivia no pronto socorro, até que no dia 25 de agosto de 2011 fui a consulta, a médica pediu uma ultrassom, e quando o médico procurou os batimentos cardíacos não encontrou e ele me disse muito friamente: “olha o feto, esta amorfo (sem forma), a placenta descolada totalmente, e não tem batimentos cardíacos, essa gravidez não é viável. Eu ouvia, olhava pra ele e me deu um vontade de gritar, mas voltei pra sala da doutora, entreguei a ultrassom e ela, sim, muito humana, me disse várias coisas confortadoras, me orientou a não fazer a curetagem, para evitar outros futuros abortos e me passou uma medicação para abrir o colo do útero, tomei essa medicação duas vezes no dia conforme ela havia prescrito e a noite senti uma cólica imensamente forte, sangrei muito e saiu a placenta e dentro de uma bolinha ainda com agua toda fechadinha o meu bebezinho, que pra mim tinha forma de feto sim, bem pequenininho. Continuei tomando a medicação, voltei na médica fiz exames, e ela me disse que podia tentar de novo em 6 meses. Cheguei em casa, fiz um calendário, e riscava todo dia o quanto faltava...
Em janeiro de 2012 , ainda menstruei normalmente , mas em fevereiro... minha alegria, minha surpresa, fiz o teste de farmácia no serviço e, quando vi, tinha dado POSITIVO, fui até p ambulatório do trabalho pedi duas guias de BHCG Quantitativo, uma para aquele dia e outra para repetir em 48 horas, para saber se estava aumentando o hormônio, já que esse foi um dos problemas que tive na primeira gravidez. Liguei pro meu marido que chorou com a noticia e quando chegou em casa ficava alisando minha barriga. Fiz os exames, os resultados estavam certinhos e foi só alegria;
A minha gravidez foi tranquila apesar de ter adquirido pressão alta, tomava meus remédios e só comia fruta, emagreci ao invés de engordar, uns 6kg, só engordei novamente no fim da gravidez , mas meu filho sempre foi grande e pesadinho, ele se desenvolveu muito bem , pelo menos era o que aparentava.
Descobri o sexo com mais ou menos 5 meses de gravidez, e chorei ao saber que era menino, falei pro meu marido que quando o Faelzinho crescesse não ia me visitar, como perceberam o nome escolhido foi Raphael Filho, e meu marido ficou todo bobo, porque o filho ia ter o mesmo nome dele.
Chegamos a 40 semanas sem nenhuma grande intercorrência, como ele não nascia e já estava sem espaço, foi feita a cesárea e no dia 28/10/2012 as 12:14hrs, nascia meu amado filho, que emoção, ele nasceu grandão com 49 centímetros, 3945kg, apgar 8 e 9, um sonho. Falei pro meu marido ficar grudado nele tinha muito medo de trocarem meu bebe na maternidade, ou roubarem.
Fui para o quarto e aproveitei meu bebe até o dia seguinte, quando levaram ele para dar banho, fui atrás ficar olhando pelo vidro, e percebi que a pediatra fez uma cara estranha quando escutou o coração dele, colocou ele no oximoro, o monitor estava virado pra frente, e me desesperei ao ver a saturação do meu filho tão baixa, falei pro meu marido que ela pediria UTI pra ele e foi o que aconteceu.
Desde que o Faelzinho foi para o quarto eu havia percebido que ele respirava cansadinho, falei para as enfermeiras, falei pro meu marido, falei pra todo mundo que entrava no quarto, mas falavam que era coisa da minha cabeça.
A médica muito boa Dra Monica, me falou que o Raphaelzinho provavelmente era portador de alguma cardiopatia congênita, que existiam várias e naquele momento sem os exames ela não saberia me precisar qual era, disse que ele iria para a UTINEO, para ser monitorado de perto e receber medicações para manter a válvula do coração dele aberta. A noite me chamaram porque ele tinha feito a ecocardiografia e a cardiologista, me explicou que ele era portador da Síndrome da Hipoplásia do Coração Esquerdo SHCE, e de outros problemas (que só mais tarde descobri os nomes CIA e Coartação da Aorta) e que este problema o tratamento era cirúrgico, mas que a cirurgia seria paliativa e eram mais de uma cirurgia, disse que pediria transferência pra ele porque o tratamento cirúrgico eles não tinham condições de fazer ali naquele local.
No dia 30/10 fomos transferidos para o hospital de referência do convênio, foram feitos novos exames e no dia 31 conversamos com os cirurgiões que explicaram que o tratamento convencional que são três cirurgias em idades diferentes, não era indicado para ele naquele momento porque a aorta dele era muito fininha torta e muito estreita. Primeiro ele faria uma cirurgia denominada cirurgia Hibrida, para que ele pudesse ter chance de passar pelas outras.
Lembro que ficava ali em pé e cantava pro meu bebe na incubadora, a mesma música que ele ouvia na barriga , chorava, orava, ele mesmo sedado melhorava a saturação quando ouvia minha voz, quando eu tocava nele, ele sabe que foi e é muito amado.
NO dia 01/11/12 foi feita a cirurgia do meu filho. Acompanhei ele ate a porta do centro cirúrgico dei um beijo nele, minha mãe e meu marido também e foi a última vez que vi meu filho com vida as 19:15hrs ele faleceu vitima de um choque hemorrágico e parada cardíaca, meu bebezinho não aguentou a cirurgia.
O que eu senti com a notícia foi devastador, parecia que eu estava olhando outra pessoa passar por aquilo, meu marido me abraçou e choramos como criança.
Ele também ficou muito abalado, o Raphaelzinho sempre mexia quando ouvia a voz dele na barriga, e ficava quietinho quando o ´pai pegava ele no colo.
Tinham providencias a serem tomadas e eu não quis ninguém tomar as decisões por mim, fui até a internação pedi a declaração de óbito, que a menina não sabia fazer e me irritou muito, porque eu vi que ela estava fazendo errado e teria que refazer (trabalhei em hospital), naquele momento enquanto ela preenchia a declaração de óbito eu lembrava de todas as vezes que eu tinha preenchido aquele mesmo papel... não imaginava alguém fazendo isso do meu filho.
Queria ir até a funerária, mas meu marido pediu pra deixar meu sogro e minha mãe escolherem o caixão, dei instruções de como eu queria, voltamos para o hospital de madrugada para liberar o corpo, eu queria vestir meu filho, as pessoas falavam "não vai ver não", mas eu quis ver meu filho. A saída de maternidade que eu tinha comprado com tanto carinho, pedi para as enfermeiras vestirem nele, e ele ficou lindo parecia um anjinho.
Fomos pra casa, ele foi velado na igreja que meu marido cresceu, lembro de sentar e olhar fixamente para o caixão, era irreal aquilo, um mês antes eu tinha escolhido os móveis do cantinho que fiz pra ele e agora, ele tava ali inerte naquele caixão.
Eu não ia ter o chorinho de madrugada, não ai amamentar, não ia ver meu filho se desenvolver, não ouviria ele me chamar de mamãe.
As pessoas tentavam me consolar, mas só me irritava ouvir as mesmas palavras, que de consolo não tem nada. O culto fúnebre foi lindo, muitas pessoas compareceram para nos apoiar e foi importante, enquanto ele estava internado ouve uma comoção na internet de oração em prol da vida dele, pessoas de vários locais oraram pelo meu filho, e eu sou eternamente grata por isso.
Quando recebemos a notícia da morte do Faelzinho, o Raphael meu marido escreveu o seguinte texto que foi lido e distribuído no velório dele:
“O Raphaelzinho foi a melhor coisa que já aconteceu na minha vida. Foi fruto do meu amor pela Fernanda.
Infelizmente quis Deus levá-lo com apenas 5 dias de vida. Entretanto esses 5 dias mudarão o restante da minha vida.
Nesses dias pude contemplar o meu pequeno Guerreiro em sua luta, pude abraça-lo, beijá-lo, sentir o seu agradável cheirinho. Essa experiência é a mais magnífica e gratificante que existe, eu aproveitei todos os momentos.
Não pude acordar a noite com seu choro, nem para dar-lhe de mamar ou ao menos trocar sua fraldinha.
Não poderei vê-lo andar, falar, cair, se machucar, se curar, quebrar a casa toda.
Pais que lerem esta carta, saibam que esses não são problemas, na verdade, são privilégios, aproveitem cada segundo com seu filho, curta cada momento com ele, não se neguem de brincar com ele quando chegar em casa cansado. Se derretam quando virem seus biquinhos de manha, quando olharem com ternura, pois pode ser a ultima vez, no meu caso foi.
Jamais esquecerei aqueles olhos pretos me olhando, seu cabelo espetadinho, o biquinho que ele fazia.
5 dias, apenas 5 dias e Deus o levou de mim, 5 dias que mudaram toda minha vida.
Raphaelzinho, eu te amo e mamãe também, Vai com Jesus, logo, logo nos veremos outra vez.
Com amor,
Papai e Mamãe”
Hoje faz exatamente 2 meses e 21 dias que ele nasceu 2 meses e dezoito dias que ele voou de volta para os braços do pai.
Voltar para casa só voltei depois de um mês, e quando vi tudo aqui o berço vazio, as roupas ainda sem usar, o estoque de fraldas que eu tinha feito, chorei muito, mas acabei me acostumando, hoje não quero desmontar nada, mas sei que isso será inevitável. Me angustia saber que esse momento vai chegar e precisarei ser forte.
Todos os dias dói para respirar; todos os dias.
É difícil levantar, foi difícil ter leite e não ter bebe para amamentar, doí não ter o cheirinho de bebe em casa, doí ter o colo vazio. Perder um filho é perder um sonho, uma parte de você. Choro todos os dias ,me pergunto todos os dias o porquê, e nunca encontro resposta. Só durmo se for com a roupinha que ele usou comigo, mas tive uma crise porque acabou o cheirinho dele.
Hoje sou mãe de dois anjinhos, uma mãe tendo que viver sem os filhos para cuidar. Encontrei apoio em pessoas que nem conheço, mas compartilham comigo a mesma dor e saudade de seus anjos
Estou tentando sobreviver, porque viver mesmo, eu deixei na hora que meu filho morreu.
Fernanda Costa Xavier